05/10/2011
Às 09:30 hrs, horário de Brasília, iniciamos a Jornada LESMA em direção à Amazônia. Saída da Confins em Vôo direto a Manaus, já no vôo as expectativas: desejos. Da vista do avião a exuberância da floresta tira o fôlego, surpreende, encanta. Os rios. ÁGUA, ÁGUA, ÁGUA MÃE. Começamos a conhecer do alto a grandeza da Amazônia. O encontro dos rios: Negro e Solimões lembra o amor, que é construído aos poucos e não há fusão imediata de almas, é preciso percorrer um longo caminho lado a lado, no caso dos rios mais de 6 km.
13:30 em horário local, a temperatura é de cerca de 33 graus. Chegada a Manaus e breve espaço para troca de aviões. Agora seguimos rumo a Tefé, mais uma hora e meia de vôo. E o que vemos: florestas, rios, florestas, rios, verde-azul!
15:15: Chegada a Tefé. Quentura! Léo é quem nos recebe e nos apresenta a cidade. Tefé é uma cidade de cerca de 60.000 habitantes, a 500 km da capital do estado do Amazonas, Manaus. A maioria das casas são feitas de madeira, não há canalização do esgoto, nem transporte coletivo. O transporte principal são as motos, que transportam até três pessoas, o capacete é utensílio em desuso. Estamos diante de uma realidade bastante diversa da nossa. O Brasil é um gigante, as suas mazelas também. O povo Tefeense é simpático, recebe bem os visitantes, querem saber de onde viemos, nos contam as notícias locais. Já começamos a nos sentir em casa. A nossa casa é onde a gente está.
06/10/2011
Passeio de turista: o mercado municipal: muito peixe, frutas e gente bonita. A beleza amazonense salta aos olhos. O antigo seminário, estrutura imponente da Prelazia de Tefé. O lago de Tefé, grandioso. ÁGUAS.
À tarde a preparação da oficina de poesia a ser realizada na Comunidade Baixo Juruá. Conhecemos o irmão cósmico Andrey, artista de alma boa e sensível, companheiro dessa jornada e certamente de muitas outras.
07/10/2011
09:00hrs, A caminho do Baixo Juruá, aeroporto de Tefé. Andrey, Wagner, Osmir, Patrícia e Léo. Seguimos em vôo de 40 minutos. No fusca de asas a paisagem está mais próxima, e a floresta cada vez mais dentro de nós. Lindeza que não cabe nas palavras.
Chegada a Juruá, Tati é quem nos recebe no aeroporto. Seguimos rumo ao escritório da ASTRUJ (Associação de trabalhadores de Juruá) que é dividido com o pessoal do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade). Lá conhecemos Isaura e Ana Luiza, que assim como Tati trabalham no ICMBio. Almoço em Juruá, os peixes e a farinha, a cultura culinária local: Delícia.
Depois do farto almoço, descemos de Recreio pelo Rio Juruá, o afluente mais sinuoso do Amazonas. O Amazonas é responsável por 20% da água doce que deságua no oceano, a informação, que deixa o queixo caído, é de Léo Rodrigues, biólogo e participante do Projeto Jovens como Protagonistas do Fortalecimento Comunitário, idealizador do Programa Verde Perto, cujo trabalho é ramificado e desenvolvido junto as Reservas Extrativistas do Baixo Juruá e do Rio Jutaí. Tatiana Souza é a proponente dessa vertente do projeto. O comandante é Greicimar, e o Recreio, nosso barco, começa a subir às águas serenas do Rio Juruá. Rio, caminho que anda. O nome do barco dita o rumo desse encontro: Paz e Bem.
Calor e vento fresco no rosto, olhos atentos à paisagem, mata de ambos os lados. Silêncio de contemplação. Cinco horas de navegação, a turma se entrosa, estamos todos nos conhecendo. Ritmo gostoso de descoberta, amizade começando a nascer. A surpresa dos botos cor-de-rosa que saltam imponentes, mas delicados, no Juruá.
19:00 hrs: Chegada à Comunidade Forte das Graças da Resex do Baixo Juruá. É noite e a floresta ao redor é misteriosa, escura mata, escuro rio. Na casa dos professores somos recebidos por Wanderley, professor da comunidade. A vivência amazônica começa a sobrepor-se a mineirisse. Nada de camas, nosso leito agora são as redes. Montamos as redes, Léo garante o jantar e é hora de descansar que o dia seguinte é de poesia. Daqui pra frente estamos sem comunicação com o mundo fora da reserva.
08/10/2011
Dia claro, manhã quente. Acordamos com a música dos pássaros, muitos, numa sinfonia um pouco incompreensível para nossos ouvidos metropolitanos, embora encantadora. É hora de conhecermos a comunidade. No café da manhã, servido em um espaço comunitário, olhares curiosos, os nossos e o dos comunitários que simpaticamente nos recebem. Crianças, muitas crianças ao nosso redor. Sorridentes e descontraídas. Fomos recebidos literalmente de braços abertos. Carinho e carisma. Durante a manhã a turma do ICMBio ministra palestra e debate sobre a criação da Resex do Baixo Juruá, a primeira a ter Plano de Manejo. A Resex é criada no ano de 2001 e possui área de 188.000 hectares. A comunidade mostra-se participativa. Campião e Dinda, líderes comunitários contam para os mais moços as lutas travadas no passado para a criação da reserva. Chico Mendes está no meio de nós.
Almoço comunitário, momento de descontração onde conhecemos mais as pessoas da comunidade, bem como a culinária local, peixes variados e a tradicional tapioca. Começamos a conhecer também os insetos da região: Piuns e Carapanãs parecem gostar bastante do sangue mineiro.
A tarde é de poesia, iniciamos com um recital e a seguir convocamos a comunidade à participação na oficina, a maioria dos jovens mostra interesse e os grupos são divididos: um grupo para a escrita de poesias, outro para produção musical e outro para experimentação dos instrumentos da LESMA.
No meio da tarde a surpresa de Francilvan, menino da comunidade. Durante a oficina de instrumentos, a sõesia, um dos caxixis danificou-se. Francilvan, menino observador, pegou o caxixi sem que ninguém notasse, no seu jeito silencioso de ser, e com astúcia e com o que aprendeu na montagem de um outro instrumento da LESMA, o Luiz Caixeiro (que é feito a partir de garrafas pet furadas e com palitos de churrasco transpassando) concertou o caxixi com o aproveitamento da ponta de uma garrafa pet. Surpreendeu a todos do recital com o presente. Francilvan, o Cicinho, como carinhosamente é chamado na comunidade, é artista, nota-se. Delicado e criativo! Como nos conta Francildo, seu irmão também artista, músico e compositor: “Francilvan é artista mesmo porque ele não copia só, mas cria coisas da cabeça dele mesmo”
Fim de tarde, quatro poemas construídos pelos jovens: Juruáguas, Árvores de Juruá, Voa Juruá e Nada Juruá. O Baixo Juruá está vivo na poesia. Para o dia seguinte combinamos a montagem de um recital com os poemas produzidos nessa primeira etapa da oficina. Ainda com a energia vibrante da oficina, encerramos a tarde com um recital de poesias do Grupo LESMA. Os olhares dos jovens denunciam a expectativa pela continuação da oficina e nos apontam a responsabilidade no trabalho. Estamos nos entregando de alma e coração. Vamos de mãos dadas. Sensação de missão cumprida. Relax no Seu Gogó, flutuante da comunidade onde funciona uma espécie de mercearia. Em casa de Wanderley a fila do banho, de caneca. A água gelada acalma a quentura. Preparação espiritual para o segundo dia de oficina.
09/10/2011
Mais um dia de poesia no Forte das Graças. Como rotineiro, o café da manhã comunitário. As crianças nos procuram todo o tempo, querem conversar, brincar, querem um abraço. Muito afetuosas. Menino de mata, que convive com a natureza em sua forma pura não conhece o mal dos homens e não tem medo de gente. Sinceridade a flor da pele. Um momento de reflexão para nós, vindos da cidade e suas dificuldades de relacionamento, onde quase sempre tememos e desconfiamos do outro, aqui não tem neurose. Olhos nos olhos. Estamos cada vez mais nessa lógica natural de convivência e respondemos reciprocamente.
Durante a manhã, enquanto a turma do ICMBio trabalha a história das Resex, preparamos o segundo dia de poesia. Ficou combinado a divisão em grupos para o trabalho de declamação dos poemas construídos. Osmir, Wagner, Patrícia e Andrey escolhem um poema cada. Andrey confecciona desenhos de pássaros, flores, peixes para compor o cenário do recital. Enquanto preparamos os materiais as crianças sempre ao redor, trazendo frutas e propondo brincadeiras.
Pausa para o delicioso almoço comunitário, preparado carinhosamente pelas cozinheiras da comunidade. Para a sobremesa, entre o prosear, as meninas nos presenteiam com jambos.
Tarde de poesia: é hora de trabalhar. Separamos grupos com os jovens que gostariam de recitar e um grupo que gostaria de fazer o acompanhamento percussivo. Patrícia: PoemaJuruáguas, Andrey: poema Árvores do Juruá, Wagner: Nada Juruá e Osmir: Voa Juruá. A turma da percussão fica com Léo. Tatiana e Ana coordenam as atividades de preparação de cenário. Isaura é quem registra os trabalhos. Separados os grupos iniciamos os preparativos do recital. Osmir é quem coordena a percussão durante os poemas. Grupos ensaiados, iniciamos a apresentação. Momento de muita emoção. As apresentações acontecem e surpreendem pelo empenho de cada um. Grande parte dos participantes nunca tiveram contato com poesia falada. A poesia fala por si e contagia a todos. Cada um doando um pouco de si, declamando, fazendo a percussão, compondo o cenário. Não há muitas palavras que possam descrever esse momento forte e belo.
Missão cumprida. As poesias ecoam pela comunidade. Alguns declamam no banho, outros durante as brincadeiras. A nossa poesia é regional, mas agora sabemos, é também universal.
A noitinha um animado forró no Centro Comunitário encerra o dia. E descansemos que amanhã é dia de fazer bonecos!
10/10/2011
A chuva que cai densa durante a noite deixa a manhã fresquinha e espanta os piuns e carapanãs. É dia do torneio de futebol. Nem a lama densa que cobria o campo espantou a vontade de jogar. Homens, mulheres, meninos e meninas montam seus times. Impressiona a força e a raça com que jogam. Wagner é o juiz, para o jogo pra dar falta, jogadores protestam, de ambos os lados. Não querem perder tempo de jogo! O jogo é na valentia. É a principal atividade de lazer local. Futebol, paixão nacional.
Provamos Abiu, fruta típica da região Amazônica, doce, doce.
À noite: momento mágico, transpassando as fronteiras de conflitos intercomunitários que separam Forte das Graças em I e II, católicos e evangélicos, apoiadores da Reserva e comunitários que não concordam com a mesma, o Recital LESMA Poesia realizou uma apresentação em Forte das Graças II, em uma igreja da Assembléia de Deus: momento forte. Deus está em todo lugar. Alguns moradores de Forte das Graças I também foram para assistir a apresentação. Com a sutileza própria da poesia, as comunidades estiveram unidas para vivenciar este instante.
11/10/2011
Durante a manhã a apresentação do ICMBio é sobre o conselho da reserva. Enquanto o pessoal capricha na parte teórica, ajudamos Andrey a preparar a oficina de bonecos que começa ainda na parte da manhã.
Enquanto os mais velhos preparam os bonecos a conversa com as crianças encanta e atiça a curiosidade, o assunto são as lendas dos botos da Amazônia, bastante vivas na comunidade. O Boto que roubou a sombra de um menino e levou pra longe uma moça, amedronta as crianças. Os botos são criaturas maléficas e é preciso ter muito cuidado com elas. Segundo as crianças na comunidade existiam apenas dois botos bons que eram de seu Chicó. Alertam-me para que quando eu ver novamente um boto não olhar nos olhos dele.
Pausa para o delicioso almoço e muita prosa. Logo após é hora de retornar à oficina de bonecos comandada por Andrey. Material reciclado e muita criatividade. A oficina é um sucesso, bonecos de variadas cores secam ao sol sob os olhares ansiosos das crianças. Fim de tarde, cada com seu boneco e o juramento comandado por Andrey de cuidar e respeitar os bonecos que habitam uma alma soprada por nós.
Tempo de andar um pouco pela floresta, caminhamos seguindo Léo, a sensação da mata ao redor é ímpar. O cheiro do mato, o barulho dos macacos, os sons dos pássaros, o mistério verde. Sentimos a energia da floresta amazônica mais próxima. As pontes, a casa de farinha, esmero da comunidade. Voltamos antes que seja noite.
Encerra-se mais um dia com o animado forró, para os artistas é hora de trabalho: montar uma peça de teatro de bonecos com o tema do conselho. A peça é montada e os personagens: Sr. Dúvida, Dr. Conselho e Comunitário. Hora de dormir e preparar para o último dia de oficina e de estadia na comunidade Forte das Graças. Já começamos a sentir saudades.
Fazem cinco dias que não me olho no espelho, e ao contrário do que sentiria normalmente esse utensílio não me faz falta, acho que estou mais próxima da beleza que vale a pena. Também não uso relógio, a ligação com o tempo é a ligação com a natureza.
12/10/2011
Sol forte, último dia em Forte das Graças. Acordamos cedinho para a preparação do teatro. Depois do café da manhã com bastante tapioca (Hummmm!) ensaiamos a peça de teatro. Andrey interpreta o Comunitário, Osmir: o Dr. Conselheiro, Wagner: Sr. Dúvida e Patrícia a mãozinha mágica. Peça ensaiada e batizada “Eu preciso de um conselho”, preparamos para a apresentação. Enquanto isso, aproveitamos para brincar com as crianças, sempre ao nosso redor. Pedem com insistência para que não vamos embora. Eita que já ta doendo a dor de partir.
Pouco antes do almoço apresentamos a peça de teatro. Pelos aplausos e risadas do público, acreditamos ter sido sucesso. Dorré, jovem da comunidade Antonina e Francildo, de Forte das Graças, apresentam a música que compuseram nesse encontro alertando para o perigo da extinção:
“O tambaqui, o peixe boi e o cará
São algumas dessas espécies
que temos que preservar”
Antes de encerrarmos as atividades nos despedimos da comunidade com um recital. Agradecemos por meio da poesia a acolhida e a troca. Estamos muito emocionados.
É dia das crianças e antes de ir embora: hora de distribuir bala pra criançada, o momento alegre dissipa a tristeza da partida e em ritmo de risadas e com o desejo vivo de voltar que damos adeus a Comunidade de Forte das Graças e seguimos rumo a Juruá.
Chegada à noitinha em Juruá, estamos de alma leve, sorriso nos rostos, sensação ímpar de dever cumprido. Hora de comemorarmos e descansar.
13/10/2011
Amanhece o dia. Café da manhã na Lanchonete de Juruá e volta pela cidade, nos preparamos para encarar novamente o fusca de asas e seguir rumo a Tefé. Depois da experiência no meio da mata agora vemos a mata de cima, imponente.
Chegada a Tefé, descanso e visita à casa de Andrey. À noite: festinha de despedida na casa do Léo e da Tati. Muita poesia e causos de Francildo, jovem que seguia rumo a São Paulo para um curso sobre Educação Ambiental, junto com Andrey. Francildo segue antes rumo a Manaus, vai visitar o pai Chicó, que se encontra adoecido. Andrey vai a São Paulo pro curso e aproveitando vai ver Cris, sua companheira de amor e trabalho, também em tratamento de saúde. Desejamos, silenciosamente e em prece, saúde a ambos.
14/10/2011
Último dia em Tefé. Passeio pela cidade, é tempo do manejo do Pirarucu. Na feira o tamanho do peixe impressiona, quase dois metros de altura. Fotos pra mostrar em Minas Gerais o quase inacreditável. Preparamos para a volta: despedida da galera do ICMBio, amigos. Patrícia, Wagner, Osmir, Andrey e Francildo embarcamos juntos rumo a Manaus. Depois a tríade de poetas Lesmas segue seu rumo de volta às Minas Gerais. É sexta à noite quando desembarcamos no aeroporto de Confins. 19 horas em Manaus, 20 horas em Belo Horizonte.
15/10/2011
Conselheiro Lafaiete. Confesso voltar um pouco assustada com as luzes da cidade, o ar rarefeito, a correria, as buzinas, já deu saudade daquele cheiro de mato e bicho, cheiro bom de gente valente e sincera, cheiro de terra e rio, cheiro de Amazônia.
PARCERIA
ICMBio
Instituto Chico Mendes
Miinistério do Meio Ambiente
Instituto Chico Mendes
Miinistério do Meio Ambiente
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