“Se entre os
homens públicos de Minas procurarmos algum que melhor simbolize as virtudes
intelectuais de nossa gente e mais tenha contribuído para encher de orgulho
nossa terra, nenhum encontraremos que exceda ao conselheiro Lafayette Rodrigues
Pereira”
(Milton
Campos, político, jornalista e advogado brasileiro)
Lafayette Rodrigues Pereira: As origens
Trecho do livro “Lafayette
Rodrigues Pereira, um ilustre queluzense”, de Allex Milagre
Era uma
Sexta-feira Santa, 28 de março de 1834, quando nasceu Lafayette, o segundo
filho do casal Antônio Rodrigues Pereira e Clara Ferreira de Azevedo. O choro
do recém-nascido na Fazenda dos Macacos, aplicação de Santo Amaro do Camapuã
[atual Queluzito], na Vila de Queluz, quebrava a circunspecção daquele dia que,
ainda hoje, impressiona-nos com um quê de angustiante melancolia. A aura de
tristeza que a Paixão de Cristo compunge os corações acrisolados pela piedade,
certamente, sem nenhum desrespeito, foi suplantada pela alegria que tomou o
coração dos devotados pais, com o nascimento daquele rebento, pelas mãos de
Conceição dos Anjos, uma índia mestiça, supostamente.
Em 3 de
outubro de 1834, foi batizado na capela filial de Santo Amaro do Camapuã, como
se vê no livro de registros de batizados da freguesia de Nossa Senhora da
Conceição de Queluz:
Lafaiete, ine. – Aos três de
outubro de mil oitocentos e trinta e quatro, na Capela de Santo Amaro, o Padre
Manoel Vieira da Cruz batizou e pôs os Santos Óleos a Lafaiete, párvulo, filho
legítimo do Capitão Antônio Roiz. Pereira e Dona Clara Ferreira de Azevedo,
sendo padrinhos o Reverendo Vigário Francisco Pereira de Assis e Dona Luiza
Roiz. de Jesus. (a) O Vigº. Candº. Thadeu Perª. Brm.5
O nome que
lhe fora dado na pia batismal, bem como o de seu irmão, Washington, sugere uma
admiração que seu pai, liberal convicto, nutria pelo fundador da República
Norteamericana e pelo colaborador da independência daquela nação, o marquês de
Lafayette, que, aliás, falecera naquele ano de 1834.
Lafayette passou sua infância na Fazenda dos Macacos,
deixando-a, em 13 de novembro de 1845, para ir estudar no Colégio Matosinhos,
em Congonhas do Campo. De lá, seguiu para Prados, em agosto seguinte,
juntamente com Washington, passando a residir em casa de seu tio paterno, padre
Felisberto Rodrigues Milagres, vigário daquela freguesia. Com o tio, Lafayette
nutriu o gosto pelas letras clássicas e, certamente, foi com quem burilou seu
caráter austero, com um senso profundamente justo e humanitário, formação esta
cujos reflexos se verificaram em toda a sua existência.
Em 1853, segue para São Paulo, onde desde o ano anterior já se
encontrava seu irmão Washington. Na Paulicéia, matricula-se na Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco. Sob os arcos daquele centro das ciências
jurídicas, formou-se de toda a cultura necessária. E de tal forma o fez que,
mesmo com algumas possíveis deficiências didáticas que por vezes se verificavam
entre os lentes daquela época, conseguiu sobressair-se, no futuro, como o maior
jurisconsulto destes brasis.
Tendo se graduado em Direito, em 1857, Lafayette
mudou-se para Ouro Preto, ocupando o cargo de Promotor Público. “Nessa época,
ele já iria demonstrar a sua grande vocação para as atividades intelectuais e
políticas num plano superior e, sobretudo, para as suas meditações e sua obra
jurídica”. Após rápida passagem pela capital da Província de
Minas, transferiu-se para o Rio de Janeiro, estabelecendo-se no escritório do
renomado advogado Teixeira de Freitas, “de longa experiência e rara cultura”.
O trabalho junto a
Teixeira de Freitas foi essencial para que Lafayette se consagrasse como
notável jurista. Conhecedor profundo que era das Ordenanças de Portugal, sob as
quais o Direito Brasileiro se regia, mesmo após a independência, Teixeira de
Freitas encontrou no jovem mineiro a inteligência e disposição necessárias para
levar adiante o seu trabalho, de organizar o “emaranhado de leis, uma confusão
de normas legais que lhes davam as maiores dificuldades”. Lafayette deixou a
sociedade com Teixeira de Freitas em 1864, para assumir a presidência da
Província do Ceará.
Após a experiência nas
Províncias do Ceará e Maranhão e tendo perdido a campanha política à que se
dedicara em 1866, voltou a advogar. Tornou-se, por essa época, sócio de
Domingos de Andrade Figueira, com o qual travou estreitas relações, embora
Figueira fosse conservador. Lafayette passou a tocar os negócios do escritório
com Venâncio José de Oliveira Lisboa, a partir do momento em que seu sócio
assumiu a presidência de Minas, a 25 de agosto de 1868. No ano seguinte, Oliveira
Lisboa também o deixou, ao ser nomeado presidente da Paraíba.
A partir do momento em que foi nomeado Ministro da
Justiça, em 1878, Lafayette afastou-se das lides forenses, às quais retornou
somente após a Proclamação da República, quando deixou a política. Afastara-se
da advocacia, contudo continuava a se dedicar aos estudos jurídicos.
Como jurisconsulto, publicou as seguintes obras: “Direito da Família”
(1869); “Direito das Cousas” (1877); “Propostas e Relatórios Apresentados à
Assembléia Legislativa” (18ª Legislatura); “Questão Comercial”; “Princípios de
Direito Internacional” – 2 volumes (1902) e diversos “Pareceres” jurídicos, em
forma de opúsculos.
A importância de sua obra literária sobre o
Direito, em tratados discorridos de forma clara, sólida e bem documentada,
consagrou-o uma das raras inteligências jurídicas do país. “A autoridade de
Lafayette era tamanha que, quando surgiu a questão da elaboração do Código
Civil, Rui Barbosa afirmou solenemente que ao jurista mineiro deveria ter sido
cometida a tarefa, pois a sua sólida cultura especializada se aliava à prática
forense, experiência de estadista e domínio da Língua. E estas palavras de Rui
Barbosa, a respeito de um homem com quem tivera mais de um atrito, valem por
muitas outras”, comenta Oliveira Torres.
Bonifácio Andrada afirma que, “quem fizer, também,
um estudo sobre o Código Civil de 1916 vai verificar que muitos de seus artigos
são de autoria ou textos muito próximos das obras de Lafayette, tal a sua
capacidade de influência, inclusive sobre o próprio Clóvis Bevilacqua, que o
elaborou”41.
O conspícuo deputado mineiro, bisneto de Lafayette, ressalta, ainda, que “esses
episódios revelam como o Conselheiro Lafayette contribuiu com o meio jurídico
brasileiro, expressando-se de uma forma notável, com a sua inteligência, as
condições melhores para o Brasil vencer as barreiras que existiam com a
legislação que vinha de Portugal, transformando-a na legislação brasileira”.
Edmundo Lins, por sua vez, assegura que a sólida cultura jurídica,
insigne, igualmente, em todos os ramos da vasta ciência do Direito, pelo
extraordinário poder de síntese, resultante, sempre, de profundas análises,
consagrou Lafayette como o maior jurisconsulto brasileiro.
O jornalista
A estréia de Lafayette como jornalista se deu na
“Revista Mensal do Ensaio Filosófico paulistano”, dirigido por Antônio Álvares
de Azevedo, em 1854. Na série 3ª daquela polêmica publicação, Lafayette
escreveu sobre “Constituição Política” e, na série 4ª, abordou os temas
“Soberania”, “As Revoluções”, “O Rei Reina e Não Governa”, “Socialismo”.
Já na Corte, juntamente
com Flávio Farnese e Bernardo Guimarães, o queluzense lançou “Actualidade”, em
1858, o primeiro jornal vendido avulso nas ruas do Rio de Janeiro, encontrando,
por isso, grande receptividade. Com larga influência política, circulou até
1864.
Alfredo Pujol lembra
que “os artigos de Lafayette (em “Actualidade”), a quem o conselheiro Junqueira
apelidara ‘belo astro de luz’, primavam pela concisão, viveza e elegância”. Já
o professor Lafayette Silveira Martins Rodrigues Pereira, neto do biografado,
observa que “Actualidade” foi publicação de uma nova geração com o afã de
participar da realidade política do país, porém, investindo-se contra a
política de conciliação, que o Marquês de Paraná inaugurara com o seu Gabinete,
cuja conseqüência levou a um situacionismo os ministérios que o procederam.
O objetivo principal de ‘Actualidade’ era dar cabo à chamada política de
conciliação, que vinha mantendo inalterados os quadros dirigentes do país, e fazer
reviver o sistema das disputas partidárias, conforme as tradições do governo
representativo. Jornal que refletia os anseios, os ardores cívicos e as idéias
de uma geração nova no cenário político do Império, ‘Actualidade’ voltou as
baterias de sua crítica vibrante contra a coligação de liberais e conservadores
– coligação essa que, diga-se a bem da verdade, foi uma imposição dos
acontecimentos e que produziu, num determinado período, excelentes frutos.
De 1861 a 1865, com a
colaboração de Flávio Farnese e Pedro Luiz, Lafayette editou a folha “Le
Brésil”, de circulação na Europa, com informações valiosas e notícias
interessantes acerca do estado político, econômico e social do Brasil, “quase
sempre tão imperfeita ou injustamente apreciado lá, propaganda patriótica em
que prestou ótimos serviços”.
Tendo se afastado de
“Actualidade”, Lafayette passou à redação do “Diário do Povo”, em 1868, com
Tavares Bastos, deixando-o em fevereiro do ano seguinte. A 12 de maio de 1869,
começa a circular “Reforma”, polêmico jornal que muito influiu nas
transformações da imprensa no Brasil. Lafayette figurava entre os liberais que
colaboravam com “Reforma”, dirigida por Francisco Octaviano, entre eles
Saldanha Marinho, Tito Franco, Gaspar da Silveira Martins (que veio a ser seu
concunhado), Joaquim de Macedo, Teófilo Ottoni, aos quais se juntaram,
posteriormente, Afonso Celso, Rodrigo Octavio de Oliveira Menezes, Cesário
Alvim. Todos estes participavam do Clube da Reforma, influente grupo que
defendia “a necessidade de alteração na ordem política que correspondesse às
que decorriam do desenvolvimento do país”.
O filósofo
Lafayette nasceu liberal. Seu pai, como já foi
dito, concorrera ativamente em movimentos políticos fundamentados
ideologicamente no liberalismo, forte corrente de pensamento que granjeava, em
seu apogeu, a conversão de muitos em todo o mundo, e nas Minas desde o declínio
da centúria setecentista.
Ao ingressar nos meios acadêmicos, mais precisamente na Faculdade de
Direito, em São Paulo, Lafayette pode absorver melhor todo esse pensamento,
professando-o de tal forma que se acabou, quiçá, naquele momento, cético,
regendo-se pela cartilha dos pensadores modernos de então. Mas, em nenhum
momento, perdeu-se, por isso, em delírios, afrontando as instituições e desacreditando-se
dos conceitos naturais em que se apóiam a ética e a moral. Contudo, caiu-se no
racionalismo, chegando a declarar que a ciência...
... é o que há de mais elevado, grandioso e sublime entre as humanas
cousas. Cheia de unção e santidade, revela a razão dos princípios eternos da
moral e da justiça, planta nas consciências a idéia do dever, desenvolve e
amplifica os sentimentos que adornam o coração, corta pela raiz os vícios,
extirpa os preconceitos e guia no labirinto à contrariedade da vida o homem,
que irresistivelmente segue o seu brilhante archote, como os Reis Magos e a
estrela que os levava ao berço do Messias. (...) Sim, ela é uma divindade, e,
como tal, seja o símbolo das nossas adorações. Como humilde, mas sincera
oferenda, consagremos-lhe todas as nossas afeições, os anos, os dias, os
instantes de nossa existência.
Passados os arroubos racionalistas, Lafayette, mais tarde, pode rever
essa desditosa posição que defendera na sessão magna do Ensaio Filosófico
Paulistano, do qual fora presidente. De seu aprofundamento acerca do pensamento
humano, ele conseguiu um tal discernimento que levou-o a interpretar bem sua
escola e aplicá-la em seus trabalhos, a ponto de tornar-se um piedoso
racionalista, parafraseando um amigo sempre a apregoar aqueles que consideravam
ter sido Salazar um “piedoso agnóstico”. Esse antagonismo deve-se, por certo,
ao fato de Lafayette, de formação católica, e não deixando de acreditar na
existência de Deus, professava, ainda assim, a doutrina kantiana.
Suas especulações intelectuais fluíram de sua pena em seus artigos
jornalísticos, pareceres jurídicos, ensaios etc. Com o passar dos anos, suas
idéias não mudaram, antes amadureceram, afirmando já, então, que... ciência, “o
que há de mais elevado, grandioso e sublime entre as humanas cousas”? Creio que
não. O aticismo de sua dialética e a firmeza de seus atributos como humanista
não eram de uma mente confusa e de opinião susceptível a mutações levianas,
senão de uma inteligência larga e de discernimento imediato. Lafayette Silveira
Martins Rodrigues Pereira lembra que foi a crítica da Razão Prática que
avigorou-lhe no espírito a crença na existência de Deus e na liberdade da
imortalidade da alma. “Não era Lafayette um sectário ferrenho. Sabia distinguir
o que havia de falso e contraditório no sistema kantiano e o que havia de
genial na sua concepção”.
Sua cultura
filosófica, que despontara nas páginas jornalísticas, coroara-se no já citado
“Vindiciæ – o Sr. Sylvio Romero, crítico e filósofo”, no qual, além de defender
a obra de Machado de Assis, analisou os trabalhos filosóficos daquele
sergipano.
O político
Lafayette estreou-se na política em 1864, tendo já
demonstrado sua posição ante o quadro político da época, o que não serviu de
empecilho para que, a 23 de janeiro daquele ano, fosse nomeado presidente da
Província do Ceará. Ele assumiu aquele governo a 4 de abril seguinte. Tão logo
chegou à distante Província, colocou-se a par da realidade do Ceará e, na
instalação da Assembléia Legislativa, a 1º de outubro de 1864, apresentava um
“Relatório” detalhado sobre a administração pública.
Uma de suas primeiras observações é sobre a administração judiciária,
julgando-a ainda “longe de tocar àquele grau de perfeição, que requer a
magnitude de sua missão”. Lafayette se mostra perplexo com o grande número de
absolvições, insinuando vícios profundos. “A explicação não pode ser outra,
senão a nímia benevolência do júri, tendência contra a qual cumpre não cessar
de clamar. E o remédio mais eficaz aí está nas mãos das autoridades a quem a
lei incumbe a qualificação dos jurados. Fossem elas severas e rigorosas no
exercício desta delicada atribuição e as salutares conseqüências a bem da
justiça não se fariam demorar”55.
Na segurança pública encontrou uma Guarda Nacional despreparada e uma Polícia
insuficiente no desempenho de seus deveres; já sobre o Corpo de Guarnição,
destacou seus bons serviços. Mesmo com a debilidade dessa área, empreendeu uma
campanha que arregimentou centenas de voluntários para a Guerra do Paraguai,
sendo reconhecido pelo Imperador quando regressou à Corte.
No que denominou “negócios eclesiásticos”, ressaltou a necessidade da
fundação de um seminário diocesano para que os jovens que se destinam “às
graves funções do sacerdócio recebam a educação e a instrução conveniente”.
Vê-se sua especial preocupação nesse sentido ao observar que...
...a formação da consciência popular pela inoculação e desenvolvimento
das verdades religiosas é o mais poderoso elemento da civilização. A elevação
da individualidade humana, o culto e o respeito do direito, a moralidade de
todas as classes, e enfim a paz e a tranqüilidade do estado são os corolários
necessários da sinceridade da convicção religiosa. É por isso que em todos os
países cultos se liga a maior importância a tudo que diz respeito a educação e
instrução do clero. Não basta que o clero ensine; é ainda preciso que ele seja
o exemplo das doutrinas que prega. Daí a necessidade de dar-lhe o hábito das
virtudes severas.
A autoridade com que traçava essas linhas, advertindo sobre a sólida
formação clerical, deve-se ao Padroado57, que vigorou até o final do Império
no Brasil.
Ainda sobre a administração eclesiástica, Lafayette falou da necessidade
de criação de novas paróquias, mas aponta as inconveniências de fazê-los,
principalmente a impossibilidade de provê-las adequadamente para seu
funcionamento. Ele descreve o mau estado de conservação das matrizes, sem
oferecer a “necessária decência para a celebração dos sagrados ofícios de nossa
religião”.
Naquela época, o presidente da Província do Ceará atribuía como uma das
causas do fracasso na instrução pública primária os baixos ordenados.
“Assegurar ao professorado bons ordenados é, pois, o passo mais eficaz para
melhorar o ensino, mas não é tudo. Cumpre exigir seguras garantias de capacidade
moral e intelectual.” Ele ainda diz que não basta aumentar o número de escolas,
mas também assegurar a freqüência dos alunos.
A saúde pública ainda enfrentava as
seqüelas da epidemia de cólera morbus que devastou a Província dois anos antes
de sua chegada e ainda havia notícias de caso. Para contê-la, nomeou uma
comissão sanitária provendo-a do necessário para medicar os infeccionados;
contudo, afirma: “o estado sanitário desta capital, outrora notável pela
benignidade de seu clima, não é lisonjeiro”.
Lafayette e Queluz
Tornou-se voz corrente desde os tempos de Queluz:
“Lafayette não gosta [gostava] daqui”. E, sobre essa afirmação, criaram-se
mitos diversos, alguns chegando a ferir a moral do Conselheiro. Essa aversão
que se formou à figura do ilustre queluzense, creio, é responsável pelo quase
completo desconhecimento sobre sua vida pelos seus conterrâneos, o que
levou-nos a empreender este trabalho.
Penso que esse boato tenha sido fomentado ainda em vida de Lafayette,
quando era figura de projeção no país. Queluz, embora considerada “reduto de
civilistas”, especialmente pela sua disposição na sublevação de 1833 e na
Revolução de 1842, local sagrado pelos luzias, regado com o seu sangue, onde
vicejou seus ideais, continuou a ser na política um campo de lutas entre
liberais e conservadores. Os liberais tendo à frente o coronel Antônio
Rodrigues Pereira, pai de Lafayette; os conservadores sob a liderança de José
Ignácio Gomes Barbosa, depois Barão de Suassuhy, e da família Baeta Neves.
Antes de qualquer julgamento deve-se, primeiramente, situarmo-nos no
tempo, com todos os seus recursos e limitações. Lafayette deixou Queluz ainda
menino, para ir estudar em Congonhas, depois Prados e, finalmente, São Paulo.
Desde então esteve ausente de sua terra natal, exceto nas férias de verão,
passadas na Fazenda dos Macacos, até a morte de sua mãe. Depois disso, não há
registros de sua vinda a Queluz. Se a distância geográfica se impunha, pelas
dificuldades de transporte e apenas os correios como meio de comunicação, o Conselheiro
sempre esteve a par de tudo o que se passava em casa e na política local.
Pelas já citadas cartas a seu irmão Washington, Lafayette mostra-se
atento aos episódios em Minas, especificamente em Queluz, e orienta a seu pai e
ao irmão sobre como agirem, adianta-lhes as notícias da Corte e do cenário
político no país, além de questões domésticas. Sua sagacidade política
continha, muitas vezes, os ânimos dos liberais queluzenses. Do Rio de Janeiro,
avistava, por entre as alterosas, o desenrolar dos interesses das facções
mineiras e já se adiantava com sua influência e capacidade de uma análise
antecipada, sem sentir o calor das emoções.
Se ainda persistem comentários malévolos sobre seu relacionamento com
sua terra natal, outros sobrepõem-nos. São reminiscências de famílias
tradicionais, legadas pelas gerações passadas, testemunhando a simplicidade do
Conselheiro e sua atenção para com os conterrâneos, fosse em recebê-los em
Macacos, ou visitá-los, especificamente nas propriedades vizinhas à de seu pai.
E se não fez mais por sua terra natal, se não bastassem os entraves legais, é
porque a hegemonia dos conservadores em Queluz certamente o impedia. A forma
abrupta como foi trocado o nome da cidade talvez seja responsável, também, por
essa aversão a Lafayette, aliás, mais ao nome do que à pessoa, por não a
conhecerem.
Outrora, tanto por um saudosismo que não me pertence, quanto por
desconhecer, então, a notoriedade de Lafayette, fui um ardoroso defensor de um
possível retorno à denominação da cidade: Queluz. Hoje, compreendo e louvo o
gesto patriótico do governador Benedicto Valladares, cujo ato perpetuou a
lembrança do nome e dos feitos de Lafayette Rodrigues Pereira que, nas palavras
da desembargadora Vanessa Verdolin Hudson Andrade, foi o “oráculo da Gávea,
parlamentar notório, estrela de Queluz de Minas, protetor da democracia,
administrador liberal, republicano envolvente, ministro plenipotenciário, Meca
da ciência jurídica brasileira, Maomé da jurisprudência brasileira, gladiador
da pena, príncipe do civilismo, discípulo de Kant, filósofo das Mantiqueiras,
jurisconsulto das alterosas, gênio das letras, reformista nato,
internacionalista conceituoso, sistematizador Savignyano, Conselheiro do
Brasil”.
Trechos do livro LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, UM ILUSTRE QUELUZENSE ,
Allex Assis Milagre (1971-2010) – Lesma Editores, 2009
A Fazenda dos Macacos
Texto de Carine Francisca Bernardo Reis Amaral
A Fazenda dos Macacos situa-se dentro dos limites
de Conselheiro Lafaiete (antiga Queluz de Minas). Está distante quatro
quilômetros da estação de Buarque de Macedo e doze quilômetros da sede do
município de Conselheiro Lafaiete. De acordo com J. Rodrigues de Almeida, em
meados do século XVIII, na disposição de permanecer em Minas Gerais, confiante
que a lavoura representava na rica região, solidez, José da Costa de Oliveira
(avô do futuro Barão de Pouso Alegre) adquire bens de raiz como escravos,
lavouras, terras e entre esses bens, comprou a Fazenda dos Macacos.
A fazenda foi herdada pelo caçula de José da Costa de Oliveira,
conhecido como Capitão Felisberto da Costa Pereira. Dentre seus nove filhos,
herdou a Fazenda dos Macacos, Antônio Rodrigues Pereira (o barão de Pouso
Alegre), que de sua união com Clara Ferreira de Azevedo, tiveram dois filhos,
Washington Rodrigues Pereira (grande jurista e político da região) e Lafayette
Rodrigues Pereira (grande jurista e político brasileiro). O tombamento da
Fazenda dos Macacos deu-se em 1977 pois,
além de ser uma fazenda centenária contendo uma vasta
e riquíssima história, a família que ali viveu, foi de grande influência
política na região e Lafayette Rodrigues Pereira, de grande importância para o
Brasil Império.
Quando D. Pedro II esteve em Queluz para inaugurar a Estação de Buarque
de Macedo, parou na Fazenda dos Macacos para descansar e ali provou as
deliciosas jabuticabas do pomar, ainda existentes. Em seu diário o Imperador
relata: “Descansei um pouco conversando com a família de Washington, filho do
Coronel Pereira. Conversei com a mulher de Washington Pereira, filha do juiz
Antônio Barbosa...” (...)
A origem do nome “Fazenda dos Macacos” ainda é um mistério, mas várias
versões são apontadas como a real; uma justificativa para o nome seria a
presença de muitos macacos atraídos pelas frutas da Fazenda. Outra seria a
grande quantidade de escravos presentes na fazenda, uma possibilidade é
comentada pela escritora D. Marina Maria (neta de Lafayette), onde os
portugueses eram chamados pejorativamente de macacos pelos brasileiros.
Enfim, tentaram em vão mudar o
nome da fazenda para Fazenda da Constituição, Fazenda Pouso Alegre, mas o
tradicional Fazenda dos Macacos se manteve através dos tempos e permanece ainda
hoje aguardando a real justificativa de seu nome.
Por toda a sua história, curiosidades, vultos importantes e também por
sua beleza arquitetônica que se faz merecer preservar tão imponente fazenda
colonial, característica do Brasil Império, período onde conviviam escravos e
famílias aristocráticas de Minas Gerais.
Biografia
de Allex Assis Milagre
ALLEX ASSIS MILAGRE nasceu 21 de abril (Dia
de Tiradentes) de 1971 em Conselheiro
Lafaiete. Jornalista , historiador e genealogista, foi membro
efetivo fundador da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette
(cadeira nº 17 - patrono Mons. José Sebastião Moreira); sócio adjunto do
Colégio Brasileiro de Genealogia (RJ) e sócio correspondente do Instituto
Histórico de Niterói (RJ) e da Academia de Letras de São João del Rei.
Escreveu artigos para diversos jornais
de Lafaiete e região, sobre história e cultura em geral. No jornal
Panorama Cultural, manteve, na década de 1990, a coluna “Genealogia
Mineira”, em que publicou o estudo de famílias queluzenses.
Publicou os opúsculos: “A Sociedade São
Vicente de Paulo – de Queluz de Minas a Conselheiro Lafaiete” (1995); “Os 250 Anos
do Bispado de Mariana” (1996); “Queluz de Minas ou Conselheiro Lafaiete?”
(1998); “Padre José Duarte de Souza Albuquerque, 1899-1999” (2001); “Ad Patres”
(2002) e em 2009 lançou seu livro “Lafayette Rodrigues Pereira – um ilustre
queluzense” (Lesma Editores). Poeta bissexto, tem trabalhos publicados nas antologias:
“Poetas Queluzianos e Lafaietenses” (1991); “Agenda Santo Antônio de Queluz”
(1992); “Lafaiete em Prosa e Verso”.
Participou, ainda, das publicações
“Caminhos do Cerrado” (RIBEIRO, José Américo; BRANDÃO, Eduardo Carvalho;
BRANDÃO, Olímpio Garcia Belo Horizonte, Saitec, 2005), com o trabalho “Os
Pereira Brandão”; e “Centelhas de Nazaré” (LIBÂNIO, Cleonice – Consórcio
Mineiro de Comunicação, 2005), com o memorial “Os cem anos do Colégio Nossa Senhora
de Nazaré”.
Allex Milagre morreu precocemente em
novembro de 2009, aos 37 anos de idade.
Conselheiro
Lafaiete: A cidade e sua história
Conselheiro Lafaiete, o antigo Campo
Alegre dos Carijós, localiza-se no roteiro da Estrada Real. A cidade é atravessada
de sul a norte pelo Caminho Novo. De noroeste vem o velho Caminho dos
Bandeirantes, que, circulando o prédio do Fórum, onde no passado ficava o
casarão do Cônego Santa Apolônia, no Largo da Matriz, atual praça Barão de
Queluz, encontrava-se com o Caminho Novo e esse entroncamento ia caminhando por
uns 100 metros
na Rua Direita, atual rua Comendador Baeta Neves, até se separarem. Aí o
Caminho dos Bandeirantes fazia um desvio para o leste em busca de Itaverava e o
Caminho Novo ia em frente caminhando na rota para Vila Rica.
Muitos fatos importantes da História
aconteceram no trecho que percorre o município de Conselheiro Lafaiete, uma
rica história. Em 1694, chegou a bandeira paulista de Bartolomeu Bueno de
Siqueira, Manoel de Camargo, Miguel Garcia de Almeida e Cunha e João Lopes de
Camargo, sendo a primeira bandeira oficial, portanto foi na região que Minas
começou a viver oficialmente. Os bandeirantes, na aldeia dos Carijós, fizeram
plantações antes de seguir viagem até Itaverava, ficando Carijós como
entreposto para abastecer as bandeiras. Arraial do Campo Alegre dos Carijós foi
o primeiro nome da cidade.
Na primeira década do século XVIII,
chegou o Caminho Novo, o qual encurtava muito o tempo de viagem para quem vinha
do Rio de Janeiro rumo às Minas. A construção dessa via foi uma verdadeira
epopéia iniciada pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes, filho de Fernão Dias,
sesmeiro de duas roças na região da estrada a ser feita, e concluído com a
ajuda de seu cunhado Domingos Rodrigues da Fonseca Leme.
Por esse caminho passaram os homens de
Carijós que integraram o contingente mineiro, organizado em 1711 pelo
governador Antônio de Albuquerque para socorrer a cidade do Rio de Janeiro,
sitiada e depois invadida pelos corsários de Duguay-Trouin.
O povo de Carijós teve importante
participação na Conjuração Mineira, ficando duas pernas de Tiradentes na já
então Real Vila de Queluz. Eram de Carijós os inconfidentes padre Manoel Rodrigues da Costa e Padre
Fajardo de Assis.
A Rua Direita, traz muitas cicatrizes em
sua memória. Nela passaram os despojos de Tiradentes que pernoitaram em um
arranchamento da Rua Direita, onde foi salgada a sua cabeça antes de seguirem a
viagem para Vila Rica. Além disso, a rua e o Largo da Matriz foram as
testemunhas principais do heroísmo dos queluzianos liberais, em julho de 1842,
com a sua estrondosa vitória sobre as tropas legalistas. E foi nas pedras de
sua calçada que depositaram o filho do tenente Galvão, seguindo-se a cena
emocionante imortalizada em versos por Mário de Lima: ferido por uma bala, morrendo nos braços do pai, o moço pediu-lhe que voltasse ao campo de
batalha e o pai, enxugando as lágrimas, exclamou: “Tenho mais três filhos para
sacrificá-los à causa da liberdade!”, voltando para o seu posto de comando.
A estalagem da Varginha, onde Tiradentes
pregou a liberdade, fecha com chave de
ouro o percurso do Caminho Novo em terras de Conselheiro Lafaiete. As ruínas da
estalagem, o que resta da gameleira e o belo monumento são marcas que o
lafaietense muito preza.
Mas ainda temos, uns metros acima de
onde passava o Caminho dos Bandeirantes e uns metros abaixo do leito do Caminho
Novo, o local onde havia um casarão, residência de Bernardo Guimarães quando
escreveu o célebre romance “Escrava Isaura”. O notável escritor veio para
Queluz em 1873, nomeado professor de latim e francês, aqui residindo
até 1876. Inspirando-se na história de família queluziana, residia em Queluz
quando escreveu o seu célebre romance “Escrava Isaura”, que foi publicado em
1875. No contrato para edição de ESCRAVA
ISAURA, em julho de 1874, Bernardo Guimarães se diz “morador em Queluz de Minas”.
Trecho do livro inédito “Garimpando no
Arquivo Jair Noronha”, de Avelina
Noronha
Petrópolis:
Cidade de Pedro
Dom Pedro II do Brasil nasceu em 2
de dezembro de 1825 e morreu em 5 de dezembro de 1891. Foi o segundo e último
monarca do Império do Brasil e reinou por 58 anos. Nascido no Rio de Janeiro,
filho do Imperador Dom Pedro I e
da Imperatriz Dona Maria Leopoldina de Áustria e, portanto, membro do ramo
brasileiro da Casa de Bragança. A abdicação do pai e sua viagem à Europa
deixaram Pedro com apenas cinco anos Imperador e levaram a uma infância e
adolescência triste e solitária.
Tendo herdado o
Império brasileiro aos 12 anos, no limiar da desintegração, Pedro II
transformou o Brasil numa potência emergente na arena internacional. A nação
cresceu para distinguir-se de seus vizinhos hispanoamericanos devido a sua
estabilidade política, a liberdade de expressão, respeito aos direitos civis,
crescimento econômico e especialmente por sua forma de governo: uma funcional
monarquia parlamentar constitucional. O Brasil também foi vitorioso em três
conflitos internacionais: as guerras do Prata, do Uruguai e do Paraguai sob seu
reinado. D. Pedro II impôs com firmeza a abolição da escravidão apesar da
oposição poderosa de interesses políticos e econômicos da época. Um erudito, o
Imperador estabeleceu uma reputação como um vigoroso patrocinador do
conhecimento, da cultura e das ciências. Ele ganhou o respeito e admiração de
pensadores como Charles Darwin, Victor Hurgo e Nietzsche. Foi amigo
pessoal de Richard Wagner, Pasteur e Wadsworth, dentre outros.
Era um monarca que
amava a cultura e a modernidade. Projetou
o Brasil do futuro.
Fonte: Caderno de Cultura do jornal CORREIO
DE MINAS
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